sábado, 29 de agosto de 2015

Diálogo

O mancebo perfeito e o velho humilde e rude 
Viram-se. E disse ao velho o mancebo perfeito: 
"Glória a mim! sorvo o céu num hausto do meu peito!" 
E o velho: "Engana o céu... Tudo na terra ilude..." 

"Rebentam roseirais do chão em que me deito!" 
"A alma da noite embala a minha senectude..." 
"Quando acordo, há um clarão de graça e de saúde!" 
"Pudesse ser perpétua a calma do meu leito!" 

"Quero vibrar, agir, vencer a Natureza, 
Viver a Vida!" "A Vida é um capricho do vento..." 
"Vivo, e posso!" "O poder é uma ilusão da sorte..." 

"Herói e deus, serei a beleza!" "A beleza 
É a paz!" "Serei a força!" "A força é o esquecimento..." 

"Serei a perfeição!" "A perfeição é a morte!"

domingo, 28 de junho de 2015

Nähe des Geliebten

Ich denke dein, wenn mir der Sonne Schimmer
Vom Meere strahlt;
Ich denke dein, wenn sich des Mondes Flimmer
In Quellen malt.

Ich sehe dich, wenn auf dem fernen Wege
Der Staub sich hebt;
In tiefer Nacht, wenn auf dem schmalen Stege
Der Wandrer bebt.

Ich höre dich, wenn dort mit dumpfem Rauschen
Die Welle steigt.
Im stillen Haine geh' ich oft zu lauschen,
Wenn alles schweigt.

Ich bin bei dir; du seist auch noch so ferne,
Du bist mir nah!
Die Sonne sinkt, bald leuchten mir die Sterne.

O, wärst du da!

domingo, 31 de maio de 2015

Oráculo Manual e Arte da Prudência

CCXXIX


Saber dividir a vida com discrição: não como as ocasiões se apresentam, mas por providência e escolha. A vida é pensada quando sem descansos, como longa jornada sem pousada; o que a faz ditosa é a variedade erudita. Gasta-se a primeira estância do belo viver falando com mortos; nascemos para saber e saber-nos, e os livros com fidelidade nos fazem gente. A segunda jornada é empregada com os vivos: ver e registrar tudo o que é bom no mundo. Nem todas as coisas se acham numa mesma terra; o Pai universal repartiu as dádivas, e às vezes enriqueceu mais a feia. A terceira jornada cada um a dedique a si mesmo: última felicidade, o filosofar.

Cadernos


Escrevo uma coisa, e penso em outra. Eu sou Deus no homem. Eu sou o que Cristo sentia. Eu sou o Buda. Eu sou um Deus búdico, e todas as espécies de Deus. Conheço todo mundo. Eu sei de tudo. Finjo estar louco para atingir meus fins. Sei que, se todo mundo pensar que eu sou um louco inofensivo, ninguém terá medo de mim. Não gosto de pessoas que acham que sou um louco que pode fazer mal às pessoas. Sou um louco que ama as pessoas. Minha loucura é o amor à humanidade. (...) Logo irei a Paris, e lá encontrarei um homem pobre com quem farei um acordo. Ele desenhará minha invenção, e eu lhe pagarei. Ele será meu engenheiro. Eu construirei uma ponte, e ele a desenhará. Construirei uma ponte entre a Europa e a América, a qual não custará caro. Já conheço o sistema dessa ponte, pois Deus fala comigo. Conheço o meio de construí-la, por isso quando chegar a Paris, cuidarei da realização dessa ponte. A ponte será uma coisa magnífica. Conheço coisas magníficas. Darei essas coisas, se as pessoas me pedirem. Não sou rico, e não quero riqueza. Quero o amor, por isso quero jogar fora todas a imundície do dinheiro. Os piolhos do dinheiro se dispersarão sem morrer. Eu lhes darei a vida. Eles não morrerão de fome. Eu sou a fome. Eu sou aquele que não morre de fome, pois sei o que é preciso para não morrer de fome. Sei que é preciso comer pouco, então o corpo da gente se habitua ao alimento que lhe dá a vida. O homem será diferente, e seus hábitos serão diferentes. Ele está corrompido, por isso não pode compreender as coisas simples.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Doce Sono!

… Não é como um barco mágico que, encoberto e insignificante, ocupa o seu canto durante o dia, e nos leva flutuando toda noite para o mar do inconsciente e do infinito?


O mar! O infinito! Meu amor pelo mar, cuja gigantesca simplicidade sempre preferi à sofisticada pluralidade das montanhas, é tão antigo quanto o meu amor ao sono, e sei muito bem qual a raiz que essas duas simpatias têm em comum. Trago dentro de mim muito da sabedoria dos hindus, um desejo pesado e indolente por aquela forma ou não forma da perfeição chamada “nirvana” ou o “nada”, e, embora seja artista, cultivo uma inclinação muito pouco artística à eternidade, que se exterioriza em uma repulsa contra a estrutura e a medida. O argumento contrário, acredita-me, é a correção e a decência, e, para utilizar a palavra mais séria, a moral… O que é a moral? O que é a moral do artista?

domingo, 29 de março de 2015

Genalogia da Moral


8. Se este livro resultar incompreensível para alguém, ou dissonante aos seus ouvidos, a culpa, quero crer, não será necessariamente minha. Ele é bastante claro, supondo-se - e eu suponho - que se tenha lido minhas obras anteriores, com alguma aplicação na leitura: elas realmente não são fáceis. No que toca ao meu Zaratustra, por exemplo, não se pode gabar de conhecê-lo quem já não tenha sido profundamente ferido e profundamente encantado por cada palavra sua: só então poderá fruir o privilégio de participar, reverentemente, do elemento alciônico do qual se originou aquela obra, da sua luminosa claridade, distância, amplidão e certeza. Em outros casos, a forma aforística traz dificuldade: isto porque atualmente não lhe é dada suficiente importância. Bem cunhado e moldado, um aforismo não foi ainda “decifrado”, ao ser apenas lido: deve ter início, então, a sua interpretação, para a qual se requer uma arte da interpretação. Na terceira dissertação deste livro, ofereço um exemplo do que aqui denomino “interpretação”: a dissertação é precedida por um aforismo, do qual ela constitui o comentário. É certo que, a praticar desse modo a leitura como arte, faz-se preciso algo que exatamente em nossos dias está bem esquecido - e que exigirá tempo, até que minhas obras sejam “legíveis” -, para o qual é imprescindível ser quase uma vaca, e não um “homem moderno”: o ruminar

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Quando Olho Para Mim

Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
que me extravio às vezes ao sair
das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
pertencem ao meu modo de existir,
e eu nunca sei como hei de concluir
as sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente reparei,
se na verdade sinto o que sinto. Eu
serei tal qual pareço em mim? Serei

tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

À Uma Hora da Manhã

Enfim, só! Ouve-se apenas o rolar das rodas dos fiacres atrasados e alquebrados. Durante algumas horas nós possuiremos o silêncio, senão o repouso. Enfim a tirania da face humana desapareceu e só sofrerei por mim mesmo.

Enfim! É-me permitido, então, relaxar no banho das trevas. De saída, uma dupla volta na chave aumentará minha solidão e fortificará as barricadas que me separam atualmente do mundo.

Horrível vida! Horrível cidade! Recapitulemos o dia de hoje: ter visto muitos homens de letras, um dos quais me perguntou se se podia ir à Rússia por via terrestre (ele tomava, sem dúvida, a Rússia por uma ilha); ter discutido generosamente com o diretor de uma revista que a cada objeção respondia: “Aqui é o partido das pessoas honestas”, o que implica que todas as outras publicações são redigidas por patifes; ter saudado umas vinte pessoas, das quais quinze desconhecidas; ter distribuído cumprimentos manuais na mesma proporção e isso sem ter tomado a precaução de comprar luvas; ter subido, para matar o tempo durante uma pancada de chuva, à casa de uma ginasta especialista em saltos, que me pediu que desenhasse um costume de Venustre; ter cortejado um diretor de teatro que me disse despedindo-se de mim: “Você faria melhor se se dirigisse a Z..., é o mais pesado, o mais tolo e mais célebre de todos os meus autores; com ele talvez você pudesse chegar a alguma coisa. Fale com ele, depois nos veremos”; ter me vangloriado (por quê?) de várias ações vis que jamais cometi e ter negado covardemente alguns outros malfeitos que eu cometera com prazer, delito de fanfarronadas, crimes de respeito humano; ter recusado a um amigo um serviço fácil e dado uma recomendação por escrito a um perfeito idiota; ufa! E será que isso acabou?


Descontente de todos os meus descontentamentos e de mim mesmo, gostaria de me recuperar e me orgulhar um pouco no silêncio e na solidão da noite. Almas daqueles que amei, almas daqueles que exaltei, fortificai-me, sustentai-me, afastai de mim a mentira e os vapores corruptores do mundo; e Vós, Senhor meu Deus! acordai em mim a graça de produzir alguns belos versos que provem a mim mesmo que eu não sou o último dos homens, que eu não sou inferior àqueles a quem desprezo.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Chamas

Meu nome saído de teus lábios
Em uma tonalidade envolvente,
Amortece a queda quando caio,
Envolve-me naquilo que sentes.

O fogo nascido em meu peito:
Purificador, faminto e sensual.
Transforma em pira nosso leito,
A potente e alegre pira nupcial. 

Os nossos corpos se enlaçam,
As nossas vidas se conectam,
No calor de intensas chamas.

Nossos olhares se encontram,
Minha entrega se completa
Quando meu nome chamas.


Para Paula Alves.